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Edição 2022

A Comida e o Vinho na Obra de Eça e no Panorama Oitocentista Europeu

Desenho de Eça de Queiroz

Eça de Queiroz realiza, na sua obra literária, afrescos de grande valor icástico da realidade social portuguesa da segunda metade do século XIX.

Introdução e Objectivos

Um elemento que caracterizava de maneira exemplar o hiato entre as classes abastadas e as desfavorecidas era, evidentemente, a alimentação.

Em primeiro lugar, por uma óbvia questão económica: o proletariado urbano ou rural não tinha a possibilidade, se não esporadicamente, de trazer pratos elaborados para as próprias mesas; nas casas burguesas e aristocráticas, pelo contrário, a presença de tais alimentos não só estava disponível, como que constituía a norma diária.

Em segundo lugar, a diferença de hábitos no sector alimentar dava-se pelo status social: mesmo nas casas ricas, onde, em teoria, haveria a possibilidade de submeter a mesma dieta a todos os habitantes, os criados consumiam alimentos mais simples em relação aos que eram reservados aos senhores; lembrar-se-á o horror que provava Julien Sorel à ideia de comer com os servos, na casa do prefeito, e a reprimenda que o pai lhe move de ser guloso; nele, ecoa a raiva de Juliana, que, em O Primo Basílio, anela a comida da patroa, Luísa. “La table” escreve Balzac em La cousine Bette, “est le plus sûr thermomètre de la fortune dans les ménages parisiens.”[1] Efetivamente, nos demais autores realistas e naturalistas europeus aparece o elemento gastronómico qual sinal distintivo social. Assim, em Eça, os sacerdotes de O Crime do Padre Amaro gozam duma mesa farta enquanto os pobres de Leiria passam fome, numa contraposição que chama à memória a injustiça representada por Zola, em Germinal, nas iguarias comidas pelos donos da mina e na escassez das mesas dos obreiros.

Além disto, os usos e as preferências alimentares caracterizam as personagens queirosianas: a sensual Leopoldina, ainda em O Primo Basílio, não sabe resistir ao bacalhau de alhada que o álgido marido lhe nega; nesta perspectiva, ela lembra muito de perto a flaubertiana Emma Bovary, que cobiça o alho, os gelados, as compotas, os xaropes e os licores doces.

Na sociedade portuguesa, aliás, o elemento alimentar e enológico tem uma função simbólica que se torna evidente quando se considerar um produto cultural extremamente significativo, a paremiologia.[2] Talvez por causa deste grande papel cultural, em Eça a culinária é descrita com maior cuidado em comparação com outros realistas e naturalistas europeus, e com um elemento adicional: o uso literário dos produtos típicos da gastronomia portuguesa. O ingénuo Cruges, em Os Maias, constrange-se por ter esquecido as queijadas de Sintra para a pedante mãe; o estrangeirado Fradique Mendes lamenta ironicamente o assado de espeto, já desaparecido das casas portuguesas como as demais velhas tradições, enquanto o infido Teodorico saboreia, às sextas-feiras, o bacalhau da prostituta que frequenta após ter aparentado, com a velha tia, ter comido apenas pão com água. O bacalhau, de resto, é a presença constante na mesa da casa da Misericórdia, em O Crime do Padre Amaro, e dos convívios da alta sociedade lisboeta em Os Maias, enquanto outra iguaria típica, o arroz, nas suas diversas formas de favas, de forno e doce, marcam a contraposição entre o luxo sem sabor de Paris e a simplicidade genuína portuguesa em A Cidade e as Serras.

A escolha de colocar nas mesas de seus personagens os pratos e os vinhos mais ilustres da culinária lusitana caracteriza Eça: o clero ganancioso, a burguesia das intrigas amorosas, a aristocracia antiga e intolerante, a antiquada intelectualidade tardiamente romântica que ele pretende derrotar, são “pratos típicos nacionais” tanto quanto o bacalhau, o arroz doce, os ovos com chouriço, o arroz de forno; tudo isto, acompanhado por um vinho verde ou uma “lágrima” de vinho do Porto, amarga e adocica ao mesmo tempo, como o estilo do autor.

[1] Honoré de Balzac, Œuvres complètes, Paris, Houssiaux, 1874, p. 49.

[2] Vd. Emma De Luca (coord.), Parla come mangi. Lingua portoghese e cibo in contesto interculturale (Viterbo, Sette Città, 2015). Temos uma colectânea de provérbios portugueses ligados à alimentação curada por Mariagrazia Russo onde se destaca o famoso “Quando o pobre come galinha, um dos dois está doente” evocado pela célebre frase no romance A alma dos ricos de Agustina Bessa-Luís: “Não é preciso ser rico para comer; é preciso ser rico para saborear”. Agustina Bessa-Luís, A alma dos ricos, Porto, Guimarães Editores, 2002, pp. 185-186.

Banner do Seminário Queirosiano Edição de 2022

O Seminário Internacional Queirosiano destina-se a todos os interessados na obra queirosiana e na área cultura / literatura / media, nomeadamente a professores (sobretudo, Ensino Secundário), estudantes universitários nacionais e internacionais (graduação e pós-graduação), estudiosos e pesquisadores nas áreas de Ciências de Comunicação, Estudos Culturais e Literários, Turismo Literário.

O formato do Seminário Internacional Queirosiano corresponde a um padrão, com uma tradição consolida desde 1998. Vd. as temáticas das últimas edições: Atividades

Com cada edição, as temáticas e as leituras recomendadas variam.

  • Eça de Queiroz, O Crime do Padre Amaro (1875);
  • Eça de Queiroz, O Primo Basílio (1878);
  • Eça de Queiroz, Os Maias (1888);
  • Eça de Queiroz, A Cidade e as Serras (1901).
Orlando Grossegesse

Professor associado da Universidade do Minho. Desde 1990 é docente / investigador nas áreas de Literatura e Cultura Alemãs e Comparadas, Tradução e Comunicação Multilingue. Desde 2004 também ensina Estudos Queirosianos, com orientação de mestrados e doutoramentos. Estudou Filologias Românicas e Comunicação Social na Universidade de Munique onde se doutorou em 1989 com uma tese sobre a relação entre conversação e discurso literário na obra queirosiana, publicada sob o título Konversation und Roman (1991). Publicou numerosos estudos no âmbito das Filologias Alemã, Portuguesa, Espanhola e Comparada.

Para além da tese de doutoramento, as publicações em livro mais relevantes são: Saramago lesen. Werk – Leben – Bibliographie (1998; 2ª ed. ampliada e atualizada 2009); atas de colóquios e congressos (organizadas ou co-organizadas), entre outras: «O estado do nosso futuro». Brasil e Portugal entre identidade e globalização (2004); com Henry Thorau, À procura da Lisboa africana (2009); com Mário Matos, Mnemo-Grafias Interculturais (2012). Director adjunto da Queirosiana (org. das últimas cinco edições: 15-17; 18-20; 21/22; 23/24; 25/26). Membro do Conselho Administrativo e da Comissão Coord. do Conselho Cultural da FEQ. Desde 2013 coordena os Seminários Internacionais Queirosianos. Fundou em 2016 o Centro de Estudos de Tradução (CET-Tormes) associado à FEQ.

Maria Serena Felici (organizadora temática deste seminário)

Doutora em Lingue, Letterature e Culture Straniere pela Università Roma Tre, com tese sobre Eça de Queiroz. É autora dos volumes Alla periferia del progresso. Le correnti politiche ottocentesche in Eça de Queirós e Leopoldo Alas ‘Clarín’ (Sette Città, 2019) e Lusitania. Roma nella letteratura portoghese e brasiliana del Novecento (Edilazio, 2020), de traduções do português para o italiano e de vários estudos queirosianos. Atualmente, é docente de língua portuguesa e culturas e literaturas lusófonas na Università degli Studi Internazionali di Roma (UNINT). Faz parte do Grupo Eça (Brasil), do CLEPUL (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias), do AISPEB (Associazione Italiana Studi Portoghesi e Brasiliani), do Observatório da Língua Portuguesa e de vários outros grupos de investigação e é professora visitante na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Os seus estudos visam aprofundar a língua portuguesa e as literaturas lusófonas dos séculos XIX, XX e XXI.

Mariagrazia Russo

Directora da Faculdade de Interpretação e Tradução e Professora catedrática de Língua e Tradução Portuguesas na Università degli Studi Internazionali di Roma (UNINT), onde dirige a Cátedra “Vasco da Gama” do Instituto Camões. Formou-se em Roma, onde fez na Universidade “La Sapienza” os estudos académicos até ao Pós-doutoramento em Filologia Românica e Investigação Textual, e em Paris, onde conseguiu na Sorbonne IV o Diplôme d’Études Approfondies en Etudes Portugaises, Bresiliennes et de l’Afrique Lusophone. É autora de várias obras nas áreas da literatura, da história e da língua em relação aos países de língua oficial portuguesa: destacam-se os volumes Um só dorido coração. Implicazioni leopardiane nella cultura letteraria di lingua portoghese (2003) e Não morri porque cantei… Quadras inéditas de Sebastião da Gama (Arrábida, 2003), além de outras monografias. Numerosos os estudos de arquivos e fundos de bibliotecas com documentos inéditos que dizem respeito à historiografia de viagem e diaspórica. Tem uma ampla produção em âmbito queirosiano e é tradutora para a língua italiana de O Conde de Abranhos. Os seus estudos tocantes a língua visam aprofundar a linguística missionária, de contacto, fronteira e herança, a toponomástica, lexicografia e tradutologia.

Giorgio de Marchis

Professor catedrático de Literatura portuguesa e brasileira no Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas Estrangeiras da Universidade Roma Tre, onde coordena a Cátedra Camões I.P. “José Saramago” e a Cátedra “Agostinho Neto”. Sobre a obra de Eça de Queiroz escreveu vários artigos e ensaios publicados em Itália, em Portugal e no Brasil e um volume onde se comparam as correspondências parisienses de Mário de Sá-Carneiro e Carlos Fradique Mendes (O silêncio do dândi e a morte da esfinge, Lisboa, IN-CM, 2007).

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Conteúdo atualizado em 25 Novembro 2024

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