O evento contou com intervenções de Afonso Reis Cabral, presidente da Fundação Eça de Queiroz, Carlos Reis, em representação do júri, e Olívia Mendes, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Baião. Entre os presentes destacou-se também Alírio Costa, representante do Millennium bcp.
Durante a sessão, foi enaltecido o mérito do autor premiado, o legado literário de Eça de Queiroz e a relevância da Fundação na promoção da leitura e da cultura.
A celebração prosseguiu com um almoço queirosiano e, durante a tarde, os participantes tiveram oportunidade de realizar uma visita guiada à Casa de Tormes.

Intervenção do Presidente da FEQ, Afonso Reis Cabral:
Caro Francisco Mota Saraiva,
Caro representante da Fundação Millennium bcp, Alírio Costa
Cara Senhora vereadora da cultura da Câmara Municipal de Baião, Olívia Mendes
Caro Carlos Reis, membro e representante do júri
Caro antigo ministro da cultura, Pedro Adão e Silva
Caros todos,
Numa época em que a ficção é tantas vezes olhada como desconfiança, como se a arte que não se associe ao rótulo de “inspirado em factos reais” fosse menos válida, é para a Fundação Eça de Queiroz uma enorme alegria contribuir para realçar a boa literatura. Aquela boa literatura que fazem os contemporâneos.
O Prémio Literário Fundação Eça de Queiroz / Fundação Millennium bcp contemplou, nas últimas quatro edições, obras actuais relevantes, e autores que se têm destacado. Alegra-me ter sido possível contemplar Djaimilia Pereira de Almeida, Frederico Pedreira, Joana Bértholo e agora Francisco Mota Saraiva, escritores notáveis com tanta obra escrita e tanta obra por escrever.
Contemplando obras de autores com não mais de quarenta anos, este prémio tem justamente como intuito destacar alguém que já escreveu muito e que pode vir a escrever muito mais.
É o caso de Francisco Mota Saraiva, que escreveu uma obra admirável em que o presente parece bela e tristemente ferido de passado. Sei que, por vezes, se usam ao desbarato adjectivos desta natureza – como admirável –, mas Francisco Mota Saraiva merece-o, e muitos outros mais.
Este prémio para Aqui Onde Canto e Ardo (livro que, em 2023, ganhou o Prémio Literário Agustina Bessa-Luís) não honra Francisco Mota Saraiva – Francisco Mota Saraiva é que nos honra. Nós temos apenas a alegria de contribuir para que o Francisco tenha mais tempo para escrever. Como dizia a páginas tantas Gonçalo M. Tavares: os prémios compram tempo. Face à vida em corrida e às exigências e às mínguas a que os escritores são obrigados, o tempo é um bem preciso.
(Aliás, esta não é a primeira vez que damos tempo ao Francisco. Explico um pouco mais à frente…)
Sem a Fundação Millennium BCP, nas pessoas de António Monteiro e Fátima Dias, aqui representados por Alírio Costa, este prémio teria deixado de existir. Em plena pandemia, quando o futuro de todos era incerto, e por maioria de razão o futuro de um prémio ainda mais, a Fundação Millennium BCP decidiu ser parceira da Fundação Eça de Queiroz – e nós não podíamos estar mais gratos e reconhecidos. Já o disse várias vezes pessoalmente a António Monteiro e a Fátima Dias, mas repito-o agora: obrigado, muito obrigado. São o exemplo perfeito de como o mecenato pode ter um papel relevante na cultura.
Bem sei o quão difícil e laborioso é contribuirmos para o legado de Eça de Queiroz, em relação ao qual sentimos tantas vezes um dever, um espírito de voluntariado cultural que é nada menos do que amor literário. Nós somos apenas fiéis depositários de um espólio que é público, de uma memória que é de todos, de uma obra que é pertença de um país.
O Prémio Literário Fundação Eça de Queiroz / Fundação Milllennium bcp destaca-se neste contexto, não sem uma certa ironia, já que o escritor que dá o nome à Fundação não recebeu qualquer prémio literário. Ficou apenas em segundo lugar num prémio da Academia das Ciências com A Relíquia. Este prémio com o seu nome é pois mais do que justo: uma pequena justiça.
A Fundação Eça de Queiroz é mais do que uma casa-museu.
Ao longo dos últimos trinta e cinco anos, desenvolvemos centenas de iniciativas pela promoção da cultura a nível nacional e internacional, sempre em memória de Eça de Queiroz. Entre outras, destaco a Revista Queirosiana, em breve com nova série numa parceria com o Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra, os Seminários Queirosianos, a oficina TraduTormes, a grande exposição na Gulbenkian com todo o espólio há uns anos – e destaco especialmente as Bolsas de Residência Literária em parceria com a INCM e com a DGLAB, cujas candidaturas à quarta edição estão agora a ser avaliadas. Este é, simplesmente, o maior programa de residências literárias remuneradas no país.
Por isso eu dizia que esta é a segunda vez que damos algum tempo a Francisco Mota Saraiva. No ano passado, o Francisco esteve em Tormes em residência durante um mês. Uma pequena eternidade para escrever sem distracções, sem as exigências do quotidiano – e com a mesma matéria viva de Santa Cruz do Douro que inspirou Eça de Queiroz no final do século XIX.
Antes de terminar, volto à obra de Francisco Mota Saraiva com duas citações. Sobre Aqui Onde Canto e Ardo, o júri, constituído por Ana Luísa Vilela, Bruno Vieira Amaral, Carlos Reis, Isabel Lucas e Luísa Mellid-Franco (aos quais agradeço, especialmente a Carlos Reis, que hoje representa dos restantes); o júri escreveu depois de ter contemplado a obra:
«Esta obra destaca-se enquanto exercício literário ambicioso, designadamente no que diz respeito à sua complexidade formal. Constrói-se, deste modo, um universo ficcional polifónico que dialoga com vozes marcantes da narrativa portuguesa contemporânea, procurando uma sua atualização.»
E a isto, terminando, antes de ouvirmos a intervenção de Carlos Reis, acrescento a abertura de Aqui Onde Canto e Ardo:
«Desde pequeno, queria ser cornaca
(cornaca)
Embora só tenha aprendido a palavra muitos anos mais tarde quando o Shaji, nascido nos bancos de areia do Yamuna, perto de Shakapur, veio para a nossa escola montado num belo espécime fêmea que dava pelo nome de Lakshmi e deitava em cântaros, pela sua tromba dourada, moedas de centavos que eu e a rapaziada apanhávamos nas voltas do recreio, e fugíamos a comprar rebuçados e bagatelas que a gente cá do bairro nos vendia por tuta-e-meia, convencida de haver alguma deusa indiana a abençoar-lhes a caixa registadora; »
Obrigado, Francisco!


